segunda-feira, 19 de abril de 2010

#1



Estava farta, farta da vida que levava. Se alguém tinha uma vida miserável era ela. Se alguém no mundo era completamente infeliz era ela. Se alguém precisava de abandonar aquela casa, se alguém tinha forças para o fazer esse alguém era ela.

Sentiu a porta abrir e encolheu-se no sofá onde estava sentada, mais uma rodada ia acontecer naquela divisão. Já sabia o que ia sofrer, já sabia que mais uma vez não o podia evitar.
- Melanie! – um homem alto de aspecto asqueroso, drogado, bêbado e nada bonito chegou-se a ela.
- Diz pai. – custava-lhe todo o ar que tinha nos pulmões proferir tal palavra. Afinal, se aquilo era seu pai, quem era o diabo? Vivia numa casa de luxo e comia caviar ao pequeno-almoço? Pensava-o várias vezes e ironicamente, mas sem nunca chegar a qualquer conclusão.
- Estás boa? – soltou uma gargalhada maléfica. – Que pergunta estúpida! – abanou a cabeça da esquerda para a direita em desaprovação à sua própria afirmação. - Tu estás sempre boa, filha. – sublinhou a última palavra passando um dedo sobre o braço descoberto de Melanie. Ela inspirou fundo. Era agora, mais uma vez sabia disso e não conseguia evitá-lo.
- Se tu o dizes. – não sabia bem porquê mas precisava sempre de lhe responder, de lhe dar um ênfase diferente a cada frase cuspida que ele lhe dirigia, a cada palavra imunda que daquela boca saía.
- Foste à escola? – perguntou sentando-se ao lado dela debruçando o corpo hediondo sobre o fino e definido dela, procurando o seu pescoço.
- Que remédio. – não gostava da escola, não gostava daquilo que a aprisionava durante o dia em que podia, simplesmente, ser livre e fazer uma das coisas que mais gostava no mundo: dançar. Sim, era completamente apanhada por hip-hop e danças latinas. Ok, é uma mistura esquisita tal como ela própria o caracterizava mas, que fazer? Era ela, gostava e isso bastava.
- Tens que aproveitar a escola, boneca… - beijou o pescoço daquela que era por legitimidade sua filha. Passou uma mão por dentro do top da rapariga e massajou abruptamente o seu peito coberto pelo soutien. Melanie remexeu-se e ajeitou o corpo de modo a não conseguir sentir aquilo, mas era impossível, para onde quer que fosse havia uma mão que insistia em percorre-la, em despi-la completamente e em submeter o seu corpo a algo não mais que carnal, que puro desejo da parte dele. Encolheu os ombros e fechou os olhos com força tal como fazia sempre antes de ser atacada. Deixou que aquele ser percorresse o seu corpo com os lábios e, com as mãos e deixou que fosse mais uma vez, em seis anos, violada pelo próprio pai.

- Devias aprender a aproveitar o que eu te dou! – cuspiu-lhe na cara como que se fizesse aquilo para bem dela e não para sua própria satisfação. Puxou as calças e os boxers repugnantes para cima e dirigiu-se ao andar de cima deixando Melanie deitada no sofá à beira de lágrimas. Também ela se vestiu e limpou as gotas salgadas que insistiam em percorrer o seu branco rosto e morrer nos seus lábios carnudos e vermelhos. Não! Aquela situação não podia durar muito mais tempo!

Melanie tinha 18 anos de idade e era violada desde os 12. Era filha única e a sua mãe houvera sido assassinada… por ele. Não sabia o porquê, não apanhara a discussão no início apenas o seu fim, e o seu trágico fim. O seu próprio pai matara a mulher de quem ela tanto gostava, e isso era coisa que nunca houvera passado pela garganta de Melanie. Há seis anos que lhe estava entalado e há seis anos que planeava a sua fuga. E essa fuga seria finalmente concretizada no final daquela semana.
Tinha tudo planeado ao pormenor, e o seu melhor amigo estava com ela para o que desse e viesse. Joe, tinha a sua idade e era filho de pais ingleses. Vivia em Portugal desde os seus 9 anos, e conheceu Melanie aos 13.

[Flashback]

- O QUÊ?! – Melanie tinha acabado de contar a Joe o que sofria em casa e o porquê de não ter mãe, e como era de esperar a reacção dele não tinha sido a melhor. – Eu mato-o!!
- Calma, mais baixo. – estavam por baixo do half pipe do parque em frente à escola onde andavam quando tinham apenas 14 anos. – Não podes fazer nada! Eu só quero que me ajudes numa coisa.
- O quê?
– perguntou logo disposto a ajudar. Amava aquela miúda de maneira especial, nunca tivera sido capaz de se aproximar de uma rapariga tanto como se aproximara de Melanie sem que nada mais acontecesse, mas o amor que nutria por ela não era mais que o amor de melhor amigo, era puro.
- Vamos conseguir dinheiro e eu vou fugir do país!
- Mas como?! Como é que vais sair de Portugal com 14 anos!?
- Quando fizer os 18.
– mirou o céu. Em breve começaria a chover tais eram as nuvens negras que via moverem-se sobre a sua cabeça.
- Mas o quê? Espera aí… - ele fez uma pausa - … tu pensas aguentar a situação até aos 18? Mel tu tens cabeça sobre os ombros? – perguntou-lhe.
- Tenho, não vês? – sorriu apontando a sua própria cabeça.
- Esse teu humor. – também ele sorriu, era por isto que gostava tanto dela. Ela sabia levar as coisas na descontra nunca sem perder o tom sério, era óptimo.
- Mas a sério são só mais quatro anos, Joey! – disse carinhosamente segurando-lhe a cara por entre as mãos.
- Só? Tu és louca! – suspirou beijando-lhe a testa. – E vamos que está prestes a chover!

[/Flashback]

Aquela casa fedia. Odiava aquele cheiro nauseabundo que habitava a mesma pocilga que ela. Sim, porque Melanie nem se atrevia a dizer que aquilo era uma casa, não tinha estatuto para tanto. Podia não chover lá dentro, podia passar o sol pelos vidros baços mas sujos, no entanto lar não era de todo o nome que se dava àquilo.
Voltava agora da escola, com fome. Decidiu procurar qualquer coisa para comer pelo frigorífico mas tudo o que encontrou foi uma peça de fruta podre e um pacote de leite azedo. Não aguentava aquilo por muito mais tempo.
Pedia todos os dias à sua mãe, onde quer que ela estivesse, que a ajudasse a sair dali digna e com espírito para enfrentar tudo o que algum dia se atravessasse no seu caminho. Pedia força, pedia coragem, pedia acima de tudo paz e conforto. Foi então que numa dessas paragens no half pipe do costume, enquanto mentalmente imaginava uma conversa abstracta com a mãe, que Joe lhe apareceu com uma ideia vinda dos céus.

[Flashback]

Tinham passado três anos desde que se tinha disposto a juntar tudo o que conseguisse e fugir daquele inferno. Amealhava dinheiro dançando nas ruas, os seus movimentos coordenados e mortais arriscados davam-lhe segurança. A adrenalina dava-lhe firmeza e o medo que não existia apenas a encorajava mais e mais.
- Mel? – Joe sentou-se ao lado dela.
- Sim! – sorriu-lhe.
- Nem sabes a ideia que tive quando vi isto no jornal! – entregou-lhe para a mão uma das folhas rasgadas daquilo que anteriormente teria sido um jornal. – Lê! – apontou-lhe um quadrado com uma imagem de quatro rapazes.
- Tokio Hotel? – leu por alto.
- Sim! Mel, sabes quem é o manager deles?! – perguntou.
- Achas? Eu nem sei quem eles são? – olhou melhor – Ou deverei dizer elas? – aproximou bem o jornal da cara e reparou melhor. – Não, são mesmo eles. – afirmou olhando agora o rapaz que se ria. – Que foi?
- Não queres confirmar mais uma vez?
– perguntou com cara de caso. Ela encolheu os ombros e olhou novamente o jornal.
- Então calma… - Joe riu-se, adorava gozar com ela e adorava quando ela entrava no jogo. – … este é gajo, este também, este acho que também é e este é transexual! – riu-se apontando um rapaz de cabelos espetados (ou assim pensava ser um rapaz!).
- São todos rapazes sim! – riu-se.
- Mas o que é que eles têm? Queres ir vê-los é?
- Mel, o manager deles é o David Jost!!
– disse-lhe finalmente.
- Quem?! O meu tio?! Estás a gozar comigo! – disse não acreditando muito.
- Não! Não é esse com quem te deste sempre até a tua mãe morrer e ele ir para a Alemanha de vez? – Joe sabia de toda a vida de Melanie e se havia pessoa em que ela falasse mais, para além da mãe, esse alguém era David Jost.
- Sim é ele. – sorriu. Adorava aquele homem, era o tio fixe se assim se podia dizer. O tio que todas as crianças querem ter e com quem querem brincar. Era irmão do seu pai e em nada se comparava a ele. Já Melanie era bastante parecida com David, ou pelo menos toda a gente o dizia, e ela pensava “É irmão do meu pai é normal”.
- Que tal voltares a falar com ele e ires para a Alemanha com ele? – por muito que não quisesse perder aquela rapariga significava muito mais a sua segurança. Um brilho que nunca houvera visto nos olhos castanhos chocolate de Melanie acendeu-se.
- Excelente ideia! – abraçou o rapaz. – Que é que eu fazia sem ti? – sussurrou.

[/Flashback]

1 comentário:

  1. wow :o credoo, este tema é muito forte ...
    mas não entendi uma coisa: se ela tinha um tio o Jost, com quem se dava bem, pq é que não lhe pediu ajuda para fugir mais cedo? Pq é que teve de suportar tantos anos aquele pesadelo? :S
    não entendi mt bem isso ...

    tens uma escrita fantástica, como já deves saber (: vou já ler o 2º :D

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