
- Entre. – sorriu-lhe o médico.
Carolina ouviu a voz do médico e sentiu a porta abrir. Virou a cara para a porta e pôde ver a figura alta e apática de Tom entrar.
- Tom? – chamou numa voz praticamente inaudível. Estava surpresa por o ver ali.
- Como é que estás? – perguntou sentando-se no cadeirão observando o corpo dela. Parecia-lhe bem fisicamente.
- Mal. – disse. – E tu?
- Mal. – olhou-a – Diz-me Carol. Diz-me o porquê? – pediu calmamente, não estava ali para discutir com ela, nem estava ali para se sentir ainda pior. Estava ali para começar a perceber o que levou Carol a fazer aquilo.
- Não era eu. – olhou-o nos olhos e lágrimas se formaram.
- Como assim? – perguntou contendo a sua vontade de chorar.
- Aquele gajo… - começou - … eu já tinha estado com ele uma vez, antes de me cruzar contigo, tivemos sexo e fiz-lhe entender bem que seria apenas uma noite. – Tom ouvia-a atentamente mas com medo daquilo que podia vir a seguir, enquanto que Carol tentava conter as lágrimas, não queria chorar. – Nunca mais o tinha visto até àquela noite. Eu estava completamente bêbada como tu bem vias, cheguei à casa de banho e ele já lá estava, reconheceu-me e tentou ter alguma coisa comigo logo no momento. Eu não deixei. Assaltaste-me o pensamento e afastei-o, dizendo que tinha namorado. Ele não acreditou e tentou novamente. Eu perdi as forças por completo e tive que me deixar levar. Já não sentia. Não ouvia. Não via. Estava praticamente desmaiada de tão bêbada que estava, que já não tinha consciência de nada. Depois tu entraste e eu acordei para o mundo. Larguei-o com todas as forças que consegui e corri atrás de ti. Mas não valeu de nada. – explicou. Podiam ver-se os caminhos percorridos pelas gotas salgadas que fluíam dos olhos de Carol, mesmo ela não querendo. – O resto tu viste.
- O médico falou em colapso emocional… - Tom remeteu para outro assunto, queria os pontos todos esclarecidos e depois podia resolver-se. Carol percebeu imediatamente onde ele queria chegar, ele queria perceber porque raio entrara em coma por causa de emoções.
- Achas que conseguia aguentar ver-te sofrer, Tom? Não conseguia. Estava a ter um ataque de pânico, já mal respirava, não aguentei e deixei que o meu corpo levasse a melhor. – explicou.
- Não me traíste porque quiseste? – perguntou, só para ter certeza. Mantinha-se sentado na mesma posição desde que se sentara e mantinha também a dor com que ali entrara.
- Não. Nunca te trairia. Era incapaz de te trair. Incapaz de te fazer passar por aquilo que eu um dia já passei. – respondeu. – Desculpa. – murmurou vendo Tom levantar-se e dirigir-se a si.
- Um dia, borboleta um dia. – disse beijando-lhe o testa e dirigindo-se à porta.
- Eu amo-te. – sussurrou Carol pela primeira vez. Era a verdade mais pura que algum dia lhe tinha saído dos lábios. Tom parou e virou-se para ela.
- Eu também te amo. – retribuiu no mesmo tom, para ele fazia todo o sentido.
Saiu do quarto.
Passou por Ana e Bill e informou-os que ia até ao hotel e que depois provavelmente iria até casa da mãe. A Tour tinha acabado e eles estavam em férias, podiam fazer o que quisessem.
- Eu depois vou ter contigo a casa da mãe, então. – disse-lhe Bill.
- Ok. – respondeu e saiu.
Carolina levantou-se da cama e procurou pelo quarto alguma coisa metálica ou que cortasse. Encontrou uma lâmina e sentou-se ao canto do quarto. Precisava de sobrepor a dor física à dor psicológica.
Firmemente deslizou a ponta da lâmina pelo pulso abrindo um corte. Sentia dor, mas nada se comparava à dor que sentia no seu peito, àquele peso que transportava. Esta dor era muito melhor de sentir.
Virou o sentido da lâmina e com ela completou um T. Limpou o sangue à bata que tinha vestida e vertendo lágrimas umas atrás das outras, deslizou a lâmina à volta do T em duas partes: formou um coração. O seu coração que batia por Tom. Não queria perder Tom, não queria perder aquilo que recuperou com ele. Aquilo que passou ao lado dele. Aquilo que construiu com ele! Quando é que o voltaria a ver? Não sabia.
Largou a lâmina no chão e encostou-se mais à parede. Agarrou o pulso com a mão e apertou-o. Aquilo era o símbolo do seu amor por Tom.
Soluçava perdida entre lágrimas, quando sentiu alguém entrar no quarto. Era o médico.
- Carolina! Mas você está louca? – perguntou ao avistá-la na ponta do quarto enroscada em si mesma e agarrada ao pulso que sangrava abundantemente.
Carol olhou-o e pediu-lhe ajuda com o olhar. O médico pegou nela e deitou-a novamente na cama. Foi buscar material para parar a hemorragia que Carol provocara e fez-lhe um curativo. Trocou-lhe a roupa e deu-lhe um calmante.
Carolina adormeceu.
(…)
Tinham passado três semanas desde o incidente e Tom estava fechado no quarto a chorar no colo da mãe.
- Vai ficar tudo bem, meu amor. – era o consolo que Simone lhe dava. Tom sempre fora menino da mamã e sempre que algo corria mal era a ela que acudia. Era ela que o compreendia sem o julgar. Dava-lhe todo o amor que tinha e com ele sarava qualquer ferida. Mas desta vez a única pessoa que podia sarar a ferida era Carol, e há três semanas que Tom não a via, não sabia se estava bem, se estava mal, se já tinha saído do hospital, se continuava no hospital, não sabia nada.
Sonhava com ela. Pensava nela a toda a hora. Via-a nas esquinas de sua casa, mas nunca era ela, eram apenas ilusões. Ilusões do seu coração.
Bill também estava ali em casa e tinha notícias de Carol. Deveria contá-las a Tom? Às vezes pensava que sim, mas assim que via a cara de Tom e a maneira como ele se arrastava pelos cantos da casa, não tinha coragem de lhe falar na mulher que o deixara assim.
- Bill. – fora Tom que o chamara. Bill olhou-o. Estavam sentados no sofá da sala.
- Diz.
- A Carol? Como está? – perguntou.
- Queres mesmo saber?
- Quero. Preciso de saber. – disse-lhe.
- A Carol saiu ontem do hospital.
- Só ontem? – perguntou – Estava assim tão mal? – achou estranho.
- No dia em tu lá estiveste o médico apanhou-a a mutilar-se, e fê-lo várias vezes depois dessa. Os médicos optaram por mantê-la sob vigilância. – Tom arrepiou-se.
- Pensei que ela já tinha deixado isso…
- Aparentemente tinha…
- Mas?
- Ela desenhou um coração com um T no interior, no próprio pulso a sangue frio.
- Ela mutilou o pulso com um coração? Com um T? – perguntou sentindo os olhos ficarem húmidos. Não podia acreditar.
- Sim.
- Sabes se está em casa? – perguntou levantando-se.
- Sim, está. – disse Bill. – A Ana está com ela.
- Eu vou lá.
- Eu vou contigo, não te deixo conduzir assim! – disse-lhe Bill.
- Ok. – assentiu e saíram de casa.
(…)
Carol estava sentada na cama de pernas cruzadas e mirava o pulso coberto por uma gaze branca. Não gostava daquilo ali.
Arrancou-o.
Viu novamente o coração e o T desenhados, podia ver uma espécie de cicatriz formada nos sítios onde passara a lâmina. Levantou-se da cama e abriu a primeira gaveta da cómoda, era lá que tinha as suas lâminas, as suas tesouras, aquilo com que sempre se mutilara.
Pegou numa das lâminas mais pequenas e começou a abrir a cicatriz.
Ana estava sentada na sala à espera que Bill e Tom chegassem. Só pensava que Tom conseguisse resolver as coisas com Carolina. Tanto ela como ele andavam mal e precisavam do outro para se curarem.
Ouviu a campainha. Abriu.
- Olá. – disse Tom cabisbaixo.
- Olá, Tom. – sorriu debilmente. – A Carol está no quarto. – respondeu à pergunta que lhe lia nos olhos.
- Obrigada. – dirigiu-se até ao quarto dela. O quarto que tão bem conhecia. Bateu.
- Agora não Ana. – respondeu Carol. Tom denotou sofrimento na sua voz. Carolina estava a cometer mais uma loucura. Abriu a porta repentinamente. – Eu disse agora não! – olhou a porta e viu-o. Estava um traste, tal como ela, Tom estava um traste.
- Está quieta! Mas o que é que estás a fazer?! – perguntou dirigindo-se a ela e pegando na lâmina lançou-a contra a parede laranja. Odiava saber que Carol se mutilava, e odiava muito mais vê-la fazê-lo.
- Tommy. – murmurou pendurando-se no seu pescoço manchando a t-shirt de Tom com sangue. – Estás aqui. – escondeu a cara no pescoço dele.
- Estou borboleta. E vou ficar. – respondeu sentindo os olhos ganharem água, mas mais uma vez não iria chorar.
- Obrigada. – largou-se dele e olhou-o nos olhos.
- Promete-me que nunca mais me fazes passar por isto novamente. Por favor Carol. – pediu.
- Eu prometo-te com todas as forças. Desculpa-me Tom, eu não queria… - disse-lhe. Tom abraçou-a.
- Estás desculpada, Carolina, estás desculpada. – afastou-a delicadamente de si e olhou-a. Fechou lentamente os olhos e viu-a fazer o mesmo. Tocou ao de leve nos seus lábios e sentiu-se explodir por dentro. Tinha sentido tanto a falta daquele toque. Daquele sabor. Daquela língua. Daquele piercing. Daquela segurança a beijá-lo. Tinha sentido falta dela e não queria, nunca mais, voltar a passar pelo mesmo.
Carolina podia jurar que tinha subido aos céus. Voltar a ter os lábios de Tom contra os seus, a sua língua roçar a dele era bom demais para ser verdade. Tinha sentido a falta dele. Do toque dele. Da maneira como ele a segurava nos seus braços enquanto a beijava. Tinha-se sentido incompleta no tempo em que não tivera Tom consigo.
- Fica comigo. – pediu Carol num murmúrio ao quebrar o beijo. Agarrou-o pela cintura e olhou-o nos olhos.
- Para sempre, minha borboleta para sempre. – respondeu pondo ambas as mãos no seu pescoço e depositando-lhe um leve mas sentido beijo nos lábios.
Sorriram um ao outro. Em três longas semanas fora a primeira vez que se permitiram sorrir. Estavam nos braços um do outro, novamente, e isso era motivo de sobra para lhes trazer de novo a luz do sol ao buraco negro onde viveram todo este tempo.
- Tinha tantas saudades tuas, Tommy. – murmurou Carol contra o pescoço de Tom.
- E eu tuas borboleta, fizeste-me tanta falta. – sussurrou. – Agora vamos tratar desse corte. – ordenou. Guiou-os até à casa de banho privada do quarto de Carol e procurou por algodão e álcool.
- Não sei dessas coisas. – respondeu-lhe. Tom repreendeu-a com o olhar. – A sério, é a Ana que sabe.
- Ai. Eu vou ver dela então. – depositou um beijo nos lábios dela, que tanta falta lhe tiveram feito e saiu dali.
- Ana. – chamou ao chegar à sala.
- Diz. – disse-lhe a medo. – Está tudo bem? – perguntou.
- Sim. – sorriu. Bill e Ana suspiraram de alívio.
- Queres o quê mesmo?
- Quero saber onde tens a caixa de primeiros socorros. – disse.
- Que é que aconteceu? – perguntou-lhe Bill.
- A Carol voltou a abrir a cicatriz. – explicou.
- Ela não muda! – refilou Ana indo buscar a caixa à casa de banho comum. – Toma.
- Obrigada. – saiu até ao quarto de Carol. – Dá cá o pulso. – pediu-lhe.
- Não me aleijes! – pediu. Tom sorriu.
- Claro que não te aleijo, tonta!
Tom ainda não lhe tivera tocado e Carol já tinha mandado um berro.
- Ainda nem te toquei!
- Mas isso ao longe também arde! – ripostou. Era estranho como se mutilava e suportava a dor, mas as pequenas coisas como álcool faziam-lhe diferença.
- Não existes pois não? – perguntou retoricamente, no entanto Carol respondeu.
- Já tínhamos tido essa conversa Tom… - olhou-o.
- Pois já. E eu já tinha confirmado que tu existias. – riu.
*
Deitaram-se na cama e Tom puxou Carol para o seu peito, tinha tantas saudades de a adormecer assim, de adormecer com ela, de acordar com o beijo dela, era tudo tão mágico. Como em qualquer conto de fadas existia sempre um contratempo e depois viveriam felizes para sempre. Só esperava que pudesse agora, viver esse sempre com Carol. Era estranho comparar a sua história à ficção, mas parecia encaixar plenamente.
- É irónico não é? – perguntou Carol.
- O quê?
- Eu sonho que tu me trais, e quem acaba por fazer merda sou eu… - disse.
- Esquece isso. – respondeu dando-lhe um beijo na testa. Carol aconchegou-se mais a ele.
Adormeceram tempo indefinido depois. Precisavam ambos de dormir e não se negaram a isso.
Carolina ouviu a voz do médico e sentiu a porta abrir. Virou a cara para a porta e pôde ver a figura alta e apática de Tom entrar.
- Tom? – chamou numa voz praticamente inaudível. Estava surpresa por o ver ali.
- Como é que estás? – perguntou sentando-se no cadeirão observando o corpo dela. Parecia-lhe bem fisicamente.
- Mal. – disse. – E tu?
- Mal. – olhou-a – Diz-me Carol. Diz-me o porquê? – pediu calmamente, não estava ali para discutir com ela, nem estava ali para se sentir ainda pior. Estava ali para começar a perceber o que levou Carol a fazer aquilo.
- Não era eu. – olhou-o nos olhos e lágrimas se formaram.
- Como assim? – perguntou contendo a sua vontade de chorar.
- Aquele gajo… - começou - … eu já tinha estado com ele uma vez, antes de me cruzar contigo, tivemos sexo e fiz-lhe entender bem que seria apenas uma noite. – Tom ouvia-a atentamente mas com medo daquilo que podia vir a seguir, enquanto que Carol tentava conter as lágrimas, não queria chorar. – Nunca mais o tinha visto até àquela noite. Eu estava completamente bêbada como tu bem vias, cheguei à casa de banho e ele já lá estava, reconheceu-me e tentou ter alguma coisa comigo logo no momento. Eu não deixei. Assaltaste-me o pensamento e afastei-o, dizendo que tinha namorado. Ele não acreditou e tentou novamente. Eu perdi as forças por completo e tive que me deixar levar. Já não sentia. Não ouvia. Não via. Estava praticamente desmaiada de tão bêbada que estava, que já não tinha consciência de nada. Depois tu entraste e eu acordei para o mundo. Larguei-o com todas as forças que consegui e corri atrás de ti. Mas não valeu de nada. – explicou. Podiam ver-se os caminhos percorridos pelas gotas salgadas que fluíam dos olhos de Carol, mesmo ela não querendo. – O resto tu viste.
- O médico falou em colapso emocional… - Tom remeteu para outro assunto, queria os pontos todos esclarecidos e depois podia resolver-se. Carol percebeu imediatamente onde ele queria chegar, ele queria perceber porque raio entrara em coma por causa de emoções.
- Achas que conseguia aguentar ver-te sofrer, Tom? Não conseguia. Estava a ter um ataque de pânico, já mal respirava, não aguentei e deixei que o meu corpo levasse a melhor. – explicou.
- Não me traíste porque quiseste? – perguntou, só para ter certeza. Mantinha-se sentado na mesma posição desde que se sentara e mantinha também a dor com que ali entrara.
- Não. Nunca te trairia. Era incapaz de te trair. Incapaz de te fazer passar por aquilo que eu um dia já passei. – respondeu. – Desculpa. – murmurou vendo Tom levantar-se e dirigir-se a si.
- Um dia, borboleta um dia. – disse beijando-lhe o testa e dirigindo-se à porta.
- Eu amo-te. – sussurrou Carol pela primeira vez. Era a verdade mais pura que algum dia lhe tinha saído dos lábios. Tom parou e virou-se para ela.
- Eu também te amo. – retribuiu no mesmo tom, para ele fazia todo o sentido.
Saiu do quarto.
Passou por Ana e Bill e informou-os que ia até ao hotel e que depois provavelmente iria até casa da mãe. A Tour tinha acabado e eles estavam em férias, podiam fazer o que quisessem.
- Eu depois vou ter contigo a casa da mãe, então. – disse-lhe Bill.
- Ok. – respondeu e saiu.
Carolina levantou-se da cama e procurou pelo quarto alguma coisa metálica ou que cortasse. Encontrou uma lâmina e sentou-se ao canto do quarto. Precisava de sobrepor a dor física à dor psicológica.
Firmemente deslizou a ponta da lâmina pelo pulso abrindo um corte. Sentia dor, mas nada se comparava à dor que sentia no seu peito, àquele peso que transportava. Esta dor era muito melhor de sentir.
Virou o sentido da lâmina e com ela completou um T. Limpou o sangue à bata que tinha vestida e vertendo lágrimas umas atrás das outras, deslizou a lâmina à volta do T em duas partes: formou um coração. O seu coração que batia por Tom. Não queria perder Tom, não queria perder aquilo que recuperou com ele. Aquilo que passou ao lado dele. Aquilo que construiu com ele! Quando é que o voltaria a ver? Não sabia.
Largou a lâmina no chão e encostou-se mais à parede. Agarrou o pulso com a mão e apertou-o. Aquilo era o símbolo do seu amor por Tom.
Soluçava perdida entre lágrimas, quando sentiu alguém entrar no quarto. Era o médico.
- Carolina! Mas você está louca? – perguntou ao avistá-la na ponta do quarto enroscada em si mesma e agarrada ao pulso que sangrava abundantemente.
Carol olhou-o e pediu-lhe ajuda com o olhar. O médico pegou nela e deitou-a novamente na cama. Foi buscar material para parar a hemorragia que Carol provocara e fez-lhe um curativo. Trocou-lhe a roupa e deu-lhe um calmante.
Carolina adormeceu.
(…)
Tinham passado três semanas desde o incidente e Tom estava fechado no quarto a chorar no colo da mãe.
- Vai ficar tudo bem, meu amor. – era o consolo que Simone lhe dava. Tom sempre fora menino da mamã e sempre que algo corria mal era a ela que acudia. Era ela que o compreendia sem o julgar. Dava-lhe todo o amor que tinha e com ele sarava qualquer ferida. Mas desta vez a única pessoa que podia sarar a ferida era Carol, e há três semanas que Tom não a via, não sabia se estava bem, se estava mal, se já tinha saído do hospital, se continuava no hospital, não sabia nada.
Sonhava com ela. Pensava nela a toda a hora. Via-a nas esquinas de sua casa, mas nunca era ela, eram apenas ilusões. Ilusões do seu coração.
Bill também estava ali em casa e tinha notícias de Carol. Deveria contá-las a Tom? Às vezes pensava que sim, mas assim que via a cara de Tom e a maneira como ele se arrastava pelos cantos da casa, não tinha coragem de lhe falar na mulher que o deixara assim.
- Bill. – fora Tom que o chamara. Bill olhou-o. Estavam sentados no sofá da sala.
- Diz.
- A Carol? Como está? – perguntou.
- Queres mesmo saber?
- Quero. Preciso de saber. – disse-lhe.
- A Carol saiu ontem do hospital.
- Só ontem? – perguntou – Estava assim tão mal? – achou estranho.
- No dia em tu lá estiveste o médico apanhou-a a mutilar-se, e fê-lo várias vezes depois dessa. Os médicos optaram por mantê-la sob vigilância. – Tom arrepiou-se.
- Pensei que ela já tinha deixado isso…
- Aparentemente tinha…
- Mas?
- Ela desenhou um coração com um T no interior, no próprio pulso a sangue frio.
- Ela mutilou o pulso com um coração? Com um T? – perguntou sentindo os olhos ficarem húmidos. Não podia acreditar.
- Sim.
- Sabes se está em casa? – perguntou levantando-se.
- Sim, está. – disse Bill. – A Ana está com ela.
- Eu vou lá.
- Eu vou contigo, não te deixo conduzir assim! – disse-lhe Bill.
- Ok. – assentiu e saíram de casa.
(…)
Carol estava sentada na cama de pernas cruzadas e mirava o pulso coberto por uma gaze branca. Não gostava daquilo ali.
Arrancou-o.
Viu novamente o coração e o T desenhados, podia ver uma espécie de cicatriz formada nos sítios onde passara a lâmina. Levantou-se da cama e abriu a primeira gaveta da cómoda, era lá que tinha as suas lâminas, as suas tesouras, aquilo com que sempre se mutilara.
Pegou numa das lâminas mais pequenas e começou a abrir a cicatriz.
Ana estava sentada na sala à espera que Bill e Tom chegassem. Só pensava que Tom conseguisse resolver as coisas com Carolina. Tanto ela como ele andavam mal e precisavam do outro para se curarem.
Ouviu a campainha. Abriu.
- Olá. – disse Tom cabisbaixo.
- Olá, Tom. – sorriu debilmente. – A Carol está no quarto. – respondeu à pergunta que lhe lia nos olhos.
- Obrigada. – dirigiu-se até ao quarto dela. O quarto que tão bem conhecia. Bateu.
- Agora não Ana. – respondeu Carol. Tom denotou sofrimento na sua voz. Carolina estava a cometer mais uma loucura. Abriu a porta repentinamente. – Eu disse agora não! – olhou a porta e viu-o. Estava um traste, tal como ela, Tom estava um traste.
- Está quieta! Mas o que é que estás a fazer?! – perguntou dirigindo-se a ela e pegando na lâmina lançou-a contra a parede laranja. Odiava saber que Carol se mutilava, e odiava muito mais vê-la fazê-lo.
- Tommy. – murmurou pendurando-se no seu pescoço manchando a t-shirt de Tom com sangue. – Estás aqui. – escondeu a cara no pescoço dele.
- Estou borboleta. E vou ficar. – respondeu sentindo os olhos ganharem água, mas mais uma vez não iria chorar.
- Obrigada. – largou-se dele e olhou-o nos olhos.
- Promete-me que nunca mais me fazes passar por isto novamente. Por favor Carol. – pediu.
- Eu prometo-te com todas as forças. Desculpa-me Tom, eu não queria… - disse-lhe. Tom abraçou-a.
- Estás desculpada, Carolina, estás desculpada. – afastou-a delicadamente de si e olhou-a. Fechou lentamente os olhos e viu-a fazer o mesmo. Tocou ao de leve nos seus lábios e sentiu-se explodir por dentro. Tinha sentido tanto a falta daquele toque. Daquele sabor. Daquela língua. Daquele piercing. Daquela segurança a beijá-lo. Tinha sentido falta dela e não queria, nunca mais, voltar a passar pelo mesmo.
Carolina podia jurar que tinha subido aos céus. Voltar a ter os lábios de Tom contra os seus, a sua língua roçar a dele era bom demais para ser verdade. Tinha sentido a falta dele. Do toque dele. Da maneira como ele a segurava nos seus braços enquanto a beijava. Tinha-se sentido incompleta no tempo em que não tivera Tom consigo.
- Fica comigo. – pediu Carol num murmúrio ao quebrar o beijo. Agarrou-o pela cintura e olhou-o nos olhos.
- Para sempre, minha borboleta para sempre. – respondeu pondo ambas as mãos no seu pescoço e depositando-lhe um leve mas sentido beijo nos lábios.
Sorriram um ao outro. Em três longas semanas fora a primeira vez que se permitiram sorrir. Estavam nos braços um do outro, novamente, e isso era motivo de sobra para lhes trazer de novo a luz do sol ao buraco negro onde viveram todo este tempo.
- Tinha tantas saudades tuas, Tommy. – murmurou Carol contra o pescoço de Tom.
- E eu tuas borboleta, fizeste-me tanta falta. – sussurrou. – Agora vamos tratar desse corte. – ordenou. Guiou-os até à casa de banho privada do quarto de Carol e procurou por algodão e álcool.
- Não sei dessas coisas. – respondeu-lhe. Tom repreendeu-a com o olhar. – A sério, é a Ana que sabe.
- Ai. Eu vou ver dela então. – depositou um beijo nos lábios dela, que tanta falta lhe tiveram feito e saiu dali.
- Ana. – chamou ao chegar à sala.
- Diz. – disse-lhe a medo. – Está tudo bem? – perguntou.
- Sim. – sorriu. Bill e Ana suspiraram de alívio.
- Queres o quê mesmo?
- Quero saber onde tens a caixa de primeiros socorros. – disse.
- Que é que aconteceu? – perguntou-lhe Bill.
- A Carol voltou a abrir a cicatriz. – explicou.
- Ela não muda! – refilou Ana indo buscar a caixa à casa de banho comum. – Toma.
- Obrigada. – saiu até ao quarto de Carol. – Dá cá o pulso. – pediu-lhe.
- Não me aleijes! – pediu. Tom sorriu.
- Claro que não te aleijo, tonta!
Tom ainda não lhe tivera tocado e Carol já tinha mandado um berro.
- Ainda nem te toquei!
- Mas isso ao longe também arde! – ripostou. Era estranho como se mutilava e suportava a dor, mas as pequenas coisas como álcool faziam-lhe diferença.
- Não existes pois não? – perguntou retoricamente, no entanto Carol respondeu.
- Já tínhamos tido essa conversa Tom… - olhou-o.
- Pois já. E eu já tinha confirmado que tu existias. – riu.
*
Deitaram-se na cama e Tom puxou Carol para o seu peito, tinha tantas saudades de a adormecer assim, de adormecer com ela, de acordar com o beijo dela, era tudo tão mágico. Como em qualquer conto de fadas existia sempre um contratempo e depois viveriam felizes para sempre. Só esperava que pudesse agora, viver esse sempre com Carol. Era estranho comparar a sua história à ficção, mas parecia encaixar plenamente.
- É irónico não é? – perguntou Carol.
- O quê?
- Eu sonho que tu me trais, e quem acaba por fazer merda sou eu… - disse.
- Esquece isso. – respondeu dando-lhe um beijo na testa. Carol aconchegou-se mais a ele.
Adormeceram tempo indefinido depois. Precisavam ambos de dormir e não se negaram a isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário