domingo, 6 de junho de 2010

#18


Melanie tinha acordado de rompante. Não tinha sonhado com nenhuma das cenas habituais, tinha sonhado algo fora do normal, aliás muito fora do seu normal. Levantou-se da cama e dirigiu-se à cozinha, de modo a beber um copo de água. Tinha na mente a imagem daquele sonho. Uma aula de Biologia e David. Sim, da escola toda era a disciplina que mais gostava, mas porquê sonhar com isso? Soava-lhe a um sonho totalmente normal, como qualquer pessoa tem, e isso não lhe fazia sentido. Melanie nunca sonhava com alguma coisa por acaso, todos os sonhos tinham uma razão, faltava agora, era descobrir que razão era essa.
No sonho os seus olhos castanhos eram comparados com os olhos azuis tanto do pai como da mãe, mas algo ali lhe fazia confusão. Se bem se lembrava não era propriamente normal que se os pais tivessem olhos azuis os filhos tivessem os olhos castanhos. No entanto, «as gerações podem ter importância», eis a frase que no meio do seu sonho surgira. Não percebera muito bem, mas talvez os olhos castanhos do seu avô tivessem tido influência.
Encolheu os ombros e deixou passar, olhou as horas. Eram 16 da tarde?!
- NÃO ACREDITO! – berrou. E imediatamente ouviu uma desaprovação do andar de cima.
- MEL DEIXA-NOS DORMIR! – era Bill.

- Não acreditas no quê? – Tom vinha a descer as escadas com uma cara de sono do pior.
- Nas horas que são. – disse.
- E que horas são? – perguntou.
- 16.
- 16? Ainda é ced… - interrompeu-se. – Mas nós temos entrevistas hoje! – disse levando as mãos à cabeça. – E tu dormiste tanto? – questionou parvo.
- Ao que parece. – riu-se da cara dele. – Mas… vou ligar ao David.

*

- E? – Tom continuava sentado no sofá a tentar perceber o que se passava.
- E não sei. Não tenho culpa que a estrada esteja cortada! – disse David.
- Mas estamos a andar… - observou Bill que também já se tinha levantado.
- Claro, totó a estrada principal estava cortada mas arranjámos atalhos.
- Isso resumindo quer dizer que eles não vão à entrevista e como tal vocês deixaram tudo a dormir… - disse Melanie.
- Exacto, alguém que me compreenda!


- Até parece que é só ela. – refilou Bill deitando a língua de fora à rapariga.
- Ela percebe sempre tudo. – Tom suspirou. Lá estava ele feito parvo a mirar o corpo da rapariga que envergava apenas uma t-shirt justa ao corpo e umas cuecas. Lá estava ela a tentá-lo sem querer. Aliás, seria mesmo sem querer? Melanie não lhe colocou entrave nenhum naquele dia, na piscina, antes pelo contrário, incentivou-o a continuar aquilo que tinha começado. No entanto, depois disso não tinham voltado a beijar-se ou a ‘dormirem juntos’. Ao que parecia Melanie já não tinha os ditos pesadelos, ou pelo menos vinham muito escassamente, visto Tom não dar conta de nada. “É pena.” Pensou, e de facto era. Tom sentia falta de a ter junto a si, sentia falta de sentir que ela precisava de si para adormecer, sentia falta do seu corpo e das suas piadas parvas, sentia em suma, falta dela.

- Claro que percebo, e também percebo que não estás cá. – disse Melanie. – Estás bem? – sentou-se ao lado dele.
- Precisamos de falar. – disse. Mel vibrou por dentro.

- Bem, dentro de duas horas devemos estar no Hotel, e talvez dê para compensar a entrevista falhada. – disse David. – Vou aproveitar que parámos para mudar de Bus. Precisam de alguma coisa? – perguntou olhando os três presentes.
- Não. – foi Melanie que com um sorriso olhava David. “Os olhos dele são tão parecidos aos meus…”

- Vou aproveitar e dormir mais, estou podre! – disse Bill com um sorriso subindo novamente até à sua sagrada cama.

- Mel… - ela olhou-o, sentado ao seu lado, meio encolhido em si mesmo, parecia ter medo de falar consigo. - … aquele dia… na piscina… - olhou-a.
- Sim, que tem? – perguntou como se nada fosse. Se Tom não sentia nada por si ele também não precisava de saber o que ela sentia por ele.
- Diz-me que foi mais que sexo, por favor. – os seus olhos estavam completamente límpidos, Melanie podia jurar que via a alma de Tom através deles.
- Se eu disser e tu não o sentires não tem a mesma qualidade. – disse-lhe.
- Se eu não tivesse sentido, achas que te perguntava?
- Sinceramente não sei, Tom. Eu conheço-te à mais ou menos dois meses, ainda não consigo descodificar todos os teus movimentos, todos os teus olhares ou todos os teus sorrisos. – sorriu-lhe – Por muito que repare não chego a tudo! – Tom riu-se e aproximou-se dela, segurando-a pelo pescoço com uma mão.
- Então acredita em mim. – beijou-a. Beijou-a de uma forma a que nunca se tinha dado ao trabalho de beijar alguém, beijou-a com todos os seus sentidos apurados e com a alma sincronizada ao coração, tal como dizia que Melanie beijava. Quebrou o beijo e olhou-a nos olhos. Viu aquele sorriso abrir-se apenas para si, e percebeu que, muitas vezes, em sonhos, o mundo tem mais cores que o arco-íris, que muitas vezes nós conseguimos ver muito mais para além daquilo que existe, mas estaria realmente Tom a sonhar com o momento? Não, não estava. Pôde comprovar isso pelo beijo de volta que Melanie, sentando-se no seu colo, lhe deu. Riu-se com os lábios colados aos dela e sentiu a gargalhada de Melanie formar-se, aquela gargalhada que o deixava louco de alegria. Ela contagiava.
- Eu acredito. – Melanie sussurrou deitando a cabeça no peito dele.
- Gosto muito de ti, Mel. – Tom murmurou, bastante baixo até, não sabia se havia realmente de o pronunciar, tinha medo das consequências que aquelas palavras podiam gerar.
- Eu também gosto muito de ti, Tommy. – sorriu contra o peito dele enquanto Tom, com o queixo pousado sobre a cabeça dela, abriu um sorriso tímido e fofo. Era bom ouvir aquilo dos lábios dela, sabia-lhe bem.

(…)

Depois daquela conversa que tivera com Tom no dia anterior, sentia-se inspirada para dançar, para usar o seu corpo em movimentos seus característicos. Levantou-se da cama, vestiu uns calções e uma t-shirt e correu pelo Bus fora.
- Bom dia, Bill! – disse – Até já, Bill! – saiu.
- Bom dia, Mel. – respondeu para o vazio. Espreitou pela janela. Que raio é que ela ia fazer? Assim que pousou os olhos sobre o seu corpo, descobriu que, sentada na relva, fazia aquecimentos. “Vai dançar.” Sorriu, gostava de saber que Melanie se divertia nos momentos mortos passados a caminho de um qualquer país.

Colocou os fones e o iPod no bolso e olhou em redor. Será que havia algum sítio por onde ela pudesse treinar? Algum obstáculo que a permitisse aperfeiçoar a técnica de parkour que aprendera há alguns meses atrás? Fora os camiões e um banco de jardim, nada. Examinou a área ao seu redor novamente, talvez aquele banco de jardim ajudasse. Subiu ao banco e tentou um mortal atrás. Que, e para não fugir ao seu ritmo habitual, foi demasiado rasteiro, no entanto o seu equilíbrio manteve-se e o seu corpo não sofreu mazelas. Repetiu o movimento até sentir que estava perfeito, correu e saltou por cima do banco as vezes que acho necessárias para cumprir o que achava o ideal. Respirou fundo e pousou a mão na cabeça, estava tonta. “Mania da perfeição!” refilou consigo mesma. Sentou-se e encostou-se às costas do banco, tentando repor as energias gastas.
- Melanie? – era Gustav. – Estás bem miúda? – perguntou.
- Estou tonta. – ela levantou o olhar.
- Wow, que cara. Vem para dentro, precisas de açúcar. – disse. Ajudou-a a voltar ao seu respectivo autocarro e sentou-se na cozinha com ela. – Bebe. – disse passando-lhe um copo de água com açúcar que preparara.
- Obrigada. – sorriu-lhe.
- Tu qualquer dia matas-te! Já deste conta que volta e meia tens qualquer coisa?
- Oh. – encolheu os ombros. – Sempre foi assim, chegava sempre a casa com uma ferida nova! – ele riu-se.
- E achas isso bem?
- Interessa? Nem dói assim tanto!
- Não sejas totó, se essas coisas infectam pode a situação ser feia!
- Gus, meu fofinho fofo… - ele riu-se - … não te preocupes! – deu-lhe um beijo na bochecha. – E agora já estou melhor, vou treinar outra vez! – escapuliu-se novamente para fora do autocarro até ao banco de jardim.

- Gustav? – era Tom que chegava à cozinha com aquela cara de sono de sempre.
- Sim, Tom boa tarde! – riu-se.
- Boa tarde. – sentou-se como se de um peso morto de tratasse. – Está sol… - constatou.
- Estás mesmo a dormir! – disse – São duas da tarde é normal que esteja sol!
- Oh. – encolheu os ombros – O Bill?
- Não sei.
- A Mel?
- Lá fora, aos pinotes para variar, qualquer dia arranja-a bonita. – comentou.
- Sim. – ajeitou o casaco desportivo que trazia vestido, enquanto se voltava a sentar com uma taça de cerais nas mãos. – Anda sempre nisso… Mas quê? Já se aleijou outra vez? – perguntou interessado.
- Ficou tonta. – encolheu os ombros. Tom abanou a cabeça em desaprovação.
- Mas bem, se ela é feliz assim… - ia levar uma colher à boca quando um grito agudo lhe penetrou os ouvidos.
- Estava mesmo a ver! – Gustav levantou-se à bruta, dirigindo-se ao sítio de onde o grito veio. – MEL?! – chamou-a, dirigindo-se ao local.

1 comentário: