quarta-feira, 31 de março de 2010

#37




Carol viu a cena pelo retrovisor e sentiu um aperto no coração ao deixar de ver Tom persegui-la. Voltava para trás?

- Não, ele não tem nada. – sussurrou para si mesma olhando o retrovisor; mantinha-se a uma velocidade constante e não conseguia ver o sítio onde tinha perdido Tom de vista. – Não lhe aconteceu nada… - sussurrou novamente. Podia ter discutido fortemente com ele. Podia ter feito merda. Mas ainda assim, amava-o e preocupava-se com ele.

- Merda! – Tom saiu do carro e encostou-se a ele. – Agora onde é que ela foi? – sentiu o telemóvel vibrar no bolso e decidiu atender.

**
- Tom, então? Que se passou? – era Bill preocupado.
- Discuti com a Carol… - disse.
- Estás onde?
- No meio da estrada que leva ao interior de Berlim, porquê?
- Mas estás parado?
- Sim! Um gajo ia-se espetando contra mim!
- Mas estás bem?
- Fisicamente sim, psicologicamente estou a martirizar-me! –
respondeu.
- Então e que tal parares de te martirizar e ires atrás dela, não? – perguntou Bill.
- Tens razão. – Tom apercebeu-se. – Até logo! Obrigada, mano. – sorriu.
- De nada puto agora mexe-te! Mas cuidado! – avisou.
- Sim…
- Até logo.
– e desligou.
**

Tom voltou para dentro do carro e rumou até Berlim. Não fazia ideia do sítio onde Carol podia ter ido, mas no estado de nervos em que se encontrava de certeza que não tinha ido muito longe.
Conduziu uma hora em direcção à fronteira marítima e não encontrava Carol.
- Mas onde é que ela se meteu?! – perguntou pensando alto. Sentiu o telemóvel vibrar novamente, desta vez uma mensagem.
Era Ana.

Experimenta na praia. Ela não gosta da força do mar, mas adora vê-lo para se acalmar. Não perdes nada em tentar. Boa sorte. E assim que tiveres notícias, avisa!

- Não estou longe da praia. – mandou um obrigado a Ana e seguiu caminho.

(…)

Carolina estava de facto sentada na areia da praia a mirar o mar. Tinha uma faca na mão direita e insistia em raspá-la ao de leve na pele do antebraço (onde tinha os outros cortes), sem a cortar apenas a passava sobre.
Estava tão confusa em relação ao que se tinha passado com Tom… mas que raio lhe passara pela cabeça para lhe falar assim? Sabia que o tinha desiludido quando o sentiu tocar o seu corte, mas mesmo assim não era razão para pôr em causa aquilo que ela sentia por ele. Não era!
Sentia-se nervosa, a tremer por todo o corpo, sentia uma vontade imensa de cortar o corpo todo e constatar que não sentiria nada. Olhou o céu e sentiu uma gota fria cair-lhe sobre a face, estava a começar a chover. Deitou-se na areia e deixou-se molhar pela tempestade que se avizinhava. Tinha frio, tinha fome visto ainda não ter comido nada desde que se levantara da cama à cerca de três horas, mas muito sinceramente não se importava com isso.
Mirou a faca pousada ao seu lado. Era demasiado o chamamento que sentia, era mais forte. Pegou nela e subiu as calças até ver o corte mais recente de todos. Passou a faca sobre o corte e prolongou-o não sentindo qualquer dor, afinal a situação em que estava lembrava-lhe todos os traumas e esses doíam muito mais que qualquer corte feito no corpo.
Levantou-se e baixou as calças pondo a faca no bolso das mesmas. Olhou a sua pequena e redonda barriga, o seu filho começava a crescer a olhos vistos. Sorriu, aquilo que nunca pensara ter na vida agora era pura realidade, mas até era uma realidade que lhe agradava especialmente sendo tão vivida como a vivia com Tom.

Estava encharcada de toda a água que houvera caído entretanto mas não se importava com isso, o seu pensamento recaía em Tom mais uma vez. Será que ele estava bem? Será que não lhe tinha acontecido nada? Estava mais preocupada do que imaginava e isso estava a torturá-la. Precisava de o ver e de o sentir. Apesar da discussão, e da fuga estranha da sua própria casa, Carol não tinha deixado de o amar (apesar de no momento o odiar) nem tinha deixado de se preocupar com uma das pessoas que mais significado tinha para si. Voltou a sentar-se na areia, virada para o mar sentindo as escassas mas grossas gotas de água caírem sobre o seu corpo já encharcado.

- Carol?! – ouviu chamar. Aquela voz não lhe era estranha mas não era ninguém que se lembrasse de conhecer. Virou a cabeça e viu um rapaz moreno dirigir-se a si.
- Quem és? – perguntou rouca, afinal estava a conter todas as lágrimas que lhe apetecia chorar.
- Não te lembras de mim? – um sorriso estranho e altamente suspeito apareceu na cara do rapaz.
- Na… - ia a responder mas interrompeu-se levantando-se. Não podia ser! Aquele gajo não podia entrar na sua vida novamente! Era Joel, o rapaz com quem tinha tido uma curte, e o mesmo rapaz que a tinha ‘violado’ na casa de banho da discoteca. Não podia acreditar naquilo que se estava a passar. – Que fazes aqui?! – perguntou.
- Eu? O mesmo que tu se calhar… - falava com voz de engate, voz essa que enojava Carol plenamente.
- Que eu? Duvido meu! – disse-lhe com desprezo.
- Sim, então não vieste espairecer as ideias e apanhar um bocadinho de chuva? – ironizou.
- Cala-te! – cuspiu-lhe – És nojento!
- Não foi isso que me disseste quando me comeste! – sorriu.
- Vai à merda! – empurrou-o pelos ombros. Não o podia ouvir falar, não o podia ouvir dirigir-lhe a palavra. Enojava-a, não sabia como algum dia podia ter tido algo com ele, mas desde aquela casa de banho que o odiava com todas as forças.
- Vais partir para a violência babe? – riu-se. Carol virou-lhe costas e fazendo um obsceno gesto com o dedo seguiu caminho.
- Metes nojo. – respondeu. Joel seguiu-a.
- Que é isto? – perguntou alcançando a faca que Carol tinha no bolso traseiro.
- Queres mesmo que te diga? Talvez precises de um desenho e não tenho paciência para isso. – seguiu. Joel travou-a fazendo-a voltar-se para si.
- Porque andas com uma coisas destas? – roçou a ponta da faca pelo braço nu de Carol.
- E o que é que tu tens a ver com isso? – perguntou. Ele fez mais força na faca, espetando-a no braço dela.
- Uuh, desculpa… distraí-me! – riu-se.
- Podes esfaquear-me toda que eu não vou fazer nada contra isso. Não me vai doer, e eu não me vou importar. – limitou-se a responder encolhendo os ombros.
- A sério? Então e se eu te disser que quero ter algo mais contigo antes de te… ‘esfaquear’? – sorriu cinicamente.
- O quê? – perguntou como se não soubesse. Mas não, não ia voltar a ter sexo com ele, preferia morrer a trair Tom novamente.
- Adivinha beleza… - aproximou-se dela e roçou os seus lábios pelo seu pescoço molhado tentando alcançar os seus lábios, baixando a faca até ao nível da cintura para a tentar puxar pela cinta. Carol elevou o joelho acertando nas partes baixas de Joel e ele por instinto e legítima defesa avançou com o braço cravando a faca no ventre de Carolina.
Carolina mandou um berro agudo, não propriamente de dor física, mas psicológica. Era o seu filho que neste momento corria riscos de vida.
- Se eu perco a criança vais ter problemas comigo… - murmurou.
- A criança? – riu-se. – Qual criança? – olhou Carolina de alto a baixo, realmente ela tinha um alto na barriga mas… - Estás grávida? – perguntou com cara de parvo.
- Não seu cabrão é só impressão. – ironizou. Tinha as palavras presas na garganta. Ajoelhou-se retirando a faca do seu corpo. – Vais pagá-las caras. – murmurou antes de desmaiar e se deixar enrolar em si, sobre a areia.
- Merda! – Joel correu pela praia até ao seu carro que ali tinha estacionado. Tinha ido até à praia para descontrair, gostava de ver o mar agitado, como estava naquele dia, e como morava ali perto aproveitou. Não esperava era encontrar ali Carol e muito mais, não esperava deixá-la no estado em que deixara, no entanto o seu espírito vingativo era mais forte.
Deu um encontrão em alguém enquanto pensava sobre a situação mas não ligou, seguiu caminho.

- Esta gente nunca vê por onde anda! – refilou o atingido para si mesmo. Tom tinha chegado à praia e imediatamente viu o carro de Carolina ali estacionado. Conseguiu diferenciar um corpo na praia. Uma cor. A cor laranja, só podia ser ela! Andou em direcção ao corpo e reparou que o estado não era o melhor. Correu até ela e debruçou-se sobre o corpo inerte de Carolina.
- Carol! – chamou por ela, deitando-a de barriga para cima na areia. – Mas…? – viu o top perfurado e uma quantidade infindável de sangue nele. – Carol! – berrou desesperado. Mas o que é que ela tinha feito?!
Carol emitiu um breve som estranho e Tom olhou-a nos olhos.
- Amor - chamou carinhosamente preocupado mas aliviado por ver que ela acordava.
- Chamaste-me amor… - Carolina exibia um sorriso carinhoso na cara. Tom nunca lhe houvera chamado amor.
- É isso que és… és o meu amor. – sorriu. – Mas o que é que se passou? – ajudou a levantá-la começando a dirigir-se para o carro, precisava urgentemente de um hospital!
- Estás bem não estás? – perguntou não ligando à pergunta de Tom.
- Estou óptimo! – descansou-a – Mas tu não…
- Eu vi desviares-te de um carro. Estás mesmo bem?
– voltou a perguntar.
- Estou bem, foi apenas um susto ele nem me tocou. – descansou-a dando-lhe um beijo sobre o cabelo molhado. – Mas e tu, borboleta?
- Foi o Joel…
- Quem?
- Aquele gajo da discoteca. –
disse fazendo pressão sobre a ferida tentando estancar o sangue.
- Estás a gozar? – raiva era o sentimento que neste momento se apoderava de Tom – Mas o que é que ele estava aqui a fazer?!
- Não sei, não tive tempo de perguntar.
– respondeu fechando os olhos e controlando a respiração, ia ser difícil não desmaiar outra vez. Tom pegou nela ao colo ao reparar nas dificuldades que ela tinha em andar.
- Ele espetou-te uma faca ou assim?
- Sim, eu tinha a faca comigo e ele tirou-ma.
– rodeou o pescoço de Tom com as mãos e escondeu nele a sua face.
- Tinhas a faca contigo?
- Sim, Tom. Eu cortei-me outra vez.
– admitiu. Tom suspirou. – Ele tentou beijar-me e eu dei-lhe uma joelhada nos tomates, ele em defesa espetou-me a faca. – tinham chegado ao carro de Tom e este tinha acelerado a todo o gás e em poucos minutos estavam no hospital.
- Esse gajo não presta. – resmungou. Aquele gajo só devia ter ar no cérebro, mas quem é que esfaqueia uma mulher assim do nada? Ninguém! – Como achas que está o bebé? – perguntou a medo.
- Não sei. – Carol sussurrou deixando uma lágrima escapar dos seus olhos. – Se não estiver bem, eu juro-te que aquele cabrão não se safa de me voltar a ver.
- Calma. Primeiro tu, depois esse otário!
– Tom olhou-a. Estava sensível e desprotegida. Porque merda tinha que se ter passado com ela?

(…)

**
- Estou Ana. – era Tom que ligava a Ana a dar as novidades.
- Tom, então encontraste-a?
- Sim.
- O que é que se passou? Não me pareces propriamente bem…
- A Carol levou uma facada, estou no hospital com ela.
– respondeu.
- O quê?! – perguntou levantando-se no sofá onde estava sentada com Bill.
- Sim, vens cá ter? Eu explico-te tudo. – disse.
- Vou já para aí! – Tom disse-lhe o hospital em que estava e Ana imediatamente se dirigiu para lá com Bill.
**

- É o senhor que acompanha a menina Edvard? – perguntou uma mulher de bata branca.
- Sim, sou eu. Como está ela? – perguntou esperançoso que a resposta fosse positiva.
- Ela está bem, mas… - hesitou.
- Mas? – perguntou.
- Mas perdeu a criança. – Tom morreu ali. Recuou uns passos e sentou-se numa das cadeiras. Não podia ser! O sonho que começava a criar com Carolina e o pequeno rebento a que os dois tinham dado origem acabava de chegar ao fim.

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