Beijinho*
«Don't grow up too fast and don't embrace the past. This life's too good to last and I'm too young to care.»
Encostou-se à parede e deixou que a música a consumisse, acompanhando-se ao som da guitarra que entre os seus braços ganhava vida. Era a única solução para o misto de emoções que afluíam à sua cabeça. Todas juntas, baralhadas, confusas deixavam-na sem chão, à mercê de qualquer pensamento mais obscuro. Não tinha sido feita para desistir dos sonhos, mas não tinha sido feita para ser escrava deles. Olhou a taça com água e a tesoura pousada ao seu lado. Lá estavam eles: os pensamentos obscuros, totalmente negros, a total escuridão que realmente precisava. O verdadeiro blackout que um dia chegou a desejar e, talvez agora, pensasse realizar.
Tentou abstrair-se de todo o mundo à sua volta: dos carros lá fora, do barulho das gentes apressadas, da chuva que naquele dia insistia em bater e rebater nos vidros das janelas. Estava perdida, perdida num mundo que pensara nunca vir a ver, perdida num mundo negro, totalmente ausente de luz e vida.
Pegou na tesoura largando a guitarra e tirou a camisola laranja que, aos seus olhos, não era mais que uma peça totalmente absorvente de luz, negra. Colocou o braço esquerdo à volta do pescoço e olhou as costelas ao espelho. Seria ali o sítio certo para cometer a loucura?
- Silvie! – Tom chamara por ela quando a viu agarrar-se aos joelhos e balançar-se a ela mesma para trás e para diante tentando mental mas inconscientemente acalmar-se. – Silvie! – abanou-a e ela olhou-o. Olhou-o com o mesmo olhar cravado de lágrimas e morto de vida. – Chora. – pediu. – Chora. Deita tudo cá para fora. Berra, mas não fiques assim! Estás a deixar-me em pânico! – ele próprio estava realmente aflito. Nunca tinha estado numa situação semelhante, nem o próprio irmão gémeo tivera alguma vez uma crise deste calibre! Não sabia mesmo o que fazer e sentia-se de pés e mãos atadas enquanto via a reacção de Silvie não mudar por nada.
Silvie moveu-se deitando o corpo para trás e deixando que todas as lágrimas contidas no seu olhar rolassem pelo seu rosto abaixo. Era por isto que odiava ter que relembrar a história, ter que relembrar os pormenores e não conseguir contá-los, ter que guardar para si os demónios que a possuíram depois do pseudo-fim do sonho.
- Desculpa. – ela murmurou. Tom ajoelhou-se ao lado do corpo dela vendo-a chorar quase que compulsivamente.
- Não tens que me pedir desculpa, eu é que peço não sabia que eras tão sensível a esse assunto. – disse respirando fundo por vê-la voltar ao normal. Silvie sentou-se na toalha limpando as lágrimas.
- O passado é sempre o passado, não é verdade? – conseguiu sorrir, ainda que debilmente.
- Mas nem todos os passados são traumáticos. – fez ver.
- Lamento que o meu seja. – encolheu os ombros de forma irónica, afinal tinha sido ele a querer saber.
Tom sentou-se na areia frente a frente com ela.
- Que foi? – ela perguntou limpando o resto das lágrimas olhando Tom que a mirava com a maior atenção do mundo.
- És diferente. – constatou. Ela olhou-o sem perceber. – E estranha. – acrescentou. – Mas ainda assim eu gosto disso.
- Tom, - ela sorriu confusa e ainda meio aluada de toda a situação e lágrimas pelas quais tinha passado há meros segundos, minutos, atrás. – eu sou mais do que estranha. Sou mais do que diferente e posso ser até muito mais que especial, mas não sou mulher para ti. – não o conhecia, não sabia que raio aquele “mas eu gosto” tinha de facto significado para ele, queria-o mas não o queria. Acima de tudo sentia que se se envolvesse demais com Tom alguma coisa não iria acabar bem e tudo isso a deixava cada vez mais confusa. Ainda mais. Não sabia se havia de controlar o desejo que o seu corpo tinha pelo dele, constantemente descoberto à sua frente, ou se simplesmente devia deixar-se levar e ver onde tudo acabava. Não conhecia Tom e o seu cérebro reforçava essa ideia, não sabia nada dele e no pouco espaço de tempo que tivera para apalpar terreno tinha acabado por lhe contar a maior parte do seu passado que sempre jurara não abrir boca a ninguém e não explicar o seu porquê. Mas com ele fê-lo. Fê-lo e sentia-se bem com isso sabendo ainda que em qualquer altura da sua vida a primeira pessoa a saber de tudo seria realmente ele. Mas porquê? Teria sido correcto?
- Não percebi… - Tom, de facto, não percebera. Achar-se-ia ela demasiada areia para a sua camioneta? Ou simplesmente tinha sentido um clique com o seu irmão e ele era agora posto de parte? - … porque é que não és mulher para mim?
- Reparaste em tudo aquilo que te contei? Eras capaz de viver algo com uma… cobarde? – perguntou.
- Cobarde? Porque raio te achas cobarde? No teu caso eu teria feito exactamente o mesmo… a não ser que também me aches cobarde estamos no mesmo barco. – disse.
- Não percebes… - suspirou.
- E o Bill percebe, é? – perguntou meio chateado. Que é que o irmão tinha a mais que ele?
- É esse o teu problema? Eu ter tido sexo com o teu irmão faz-te confusão? – perguntou em resposta.
- Porquê ele e não eu? Se tivesse sido eu a correr atrás de ti da maneira que ele fizera tinhas-te aliviado comigo? – perguntou, mais uma vez, num tom ao qual ele não se identificava mas que naquela conversa lhe parecia totalmente certo.
- Não. Se tivesses sido tu eu tinha-te contado toda a história, tal como aconteceu agora.
- Porquê? – perguntou frustrado, acima de tudo queria o corpo dela, não só a alma.
- Porque tu não tens nada a ver com o teu irmão e porque na tua presença a minha tentativa de controlo é praticamente um desperdício. – olhou-o.
- Eu não o diria. – confrontou-a. – A distância, mínima, a que te encontras de mim seria o suficiente para fazer despertar qualquer uma, mas tu não. – aproximou-se ainda mais dela. - Manténs-te firme e segura no teu lugar não dando sequer um indício de que me queres.
- Eu não sou qualquer uma. – afirmou.
- Por isso mesmo é que não percebo onde não és mulher para mim. Eu não fico com qualquer uma, Silvie. – aproximou os seus lábios do seu ouvido e terminou a frase num sussurro. Precisava de uma proximidade com ela, de algo que a fizesse despertar de vez e fazê-la sucumbir ao autocontrolo que dizia não ter na sua presença. Precisava de a provocar e de a ver responder.
- Eu também não fico com qualquer um. – suspirou ao sentir o piercing frio de Tom descer pelo seu pescoço e a sua mão passear pelos seus abdominais. – Ainda ninguém me merecera a sério…
- Ninguém? – Tom perguntou, prolongando a conversa, apercebendo-se que ela começava a ceder aos seus lábios e às suas mãos. Ninguém lhe resistia e Silvie não ia ser a excepção.
- Ninguém. – levou uma mão ao peito de Tom e apalpou os seus peitorais sentindo a sua firmeza. – E quem o fizer não vai ter a papinha toda feita. – terminou a frase mordendo a orelha de Tom e empurrando o seu corpo para longe. – Eu sou difícil de conseguir, sabias? - levantou-se e observou a cara de espanto de Tom ao seu comentário.
- Difícil só se for para mim! – refilou frustrado pelo estado em que ela o deixava estendido na areia da praia.
- Difícil só para quem merece ter-me! – falou-lhe de volta, pegando nas coisas e dirigindo-se a casa.
Tom deixara-se ficar deitado na areia ouvindo as palavras dela ecoarem na sua cabeça.
[…]
- Tom? – Bill, sentado na areia da praia em frente ao mar a observar o horizonte e a tentar perceber o que havia de fazer para resolver tudo com Tom, viu-o dirigir-se à casa atrás de si. – Tom! – Bill voltou a chamar ao aperceber-se que Tom nem sequer o ouvia.
- Hum? – virou-se ligeiramente e viu o irmão sentado a chamar por si. – Que foi? – perguntou. Não tinha a cabeça propriamente livre para uma discussão ou algo semelhante, neste momento a sua cabeça apenas funcionava em função daquilo que tinha ouvido e sentido quando estava com Silvie.
- Podemos falar? – perguntou dirigindo-se a ele.
- Esquece tudo o que te disse e eu esqueço tudo o que me disseste, ok? Não quero saber de mais nada que tenhas tido com ela ou com qualquer outra sujeita antes de mim, pode ser? – perguntou rapidamente tentando livrar-se da conversa inevitável.
- Estás bem? – perguntou. – Onde é que estiveste?
- Estive com uma miúda, não foi isso que te tinha dito que ia fazer? – perguntou retoricamente. Bill lembrava-se dele ter saído furioso da praia, não de ele lhe ter dito onde ia.
- A Silvie?
- Não, não estive com a Silvie foi outra. – disse sentando-se nas escadas de casa pousando a roupa no alpendre. Bill sentou-se ao lado dele.
- Tens a certeza que não queres falar?
- Tens alguma coisa para acrescentar à descrição que fizeste de como fodes-te a miúda mais difícil de sempre? – Bill ficara baralhado com a afirmação do irmão. Difícil?
- Tom, tens certeza que não foste tentar nada à Silvie e que ela te tenha mandado às favas? – no seu pensamento aquela cena tinha a sua graça, o irmão ser rejeitado por uma bomba daquelas era bem bonito, mas talvez não fosse saudável. Teria Tom mesmo sido rejeitado?
- Bill, - olhou-o – eu adoro-te mas não me chateies mais, ok? – pediu. Levantou-se e planeou tomar um banho. – E não, não fui rejeitado pela Silvie nem nada parecido. Não tive nada com ela até agora nem tentei nada. – ok, metade era verdade a outra nem por isso. Tom tinha tentado mas ao que parecia era demasiado “bom” para ser dado a ela de bandeja. Se assim tinha que ser, esperaria pela oportunidade, só esperava a oportunidade não sair furada.
- Ok. – Bill encolheu os ombros não percebendo bem o assunto, mas se Tom queria esquecer a discussão de de manhã então estava esquecida.
Nota: desculpem ser a dar para o pequenino, mas foi necessário. Agora, a história começa a compôr-se resta saber é o que vem por aí, mas cheira-me que esta fic vai ter muito menos capítulos do que a Magnólia, por exemplo, muitos menos. Mas isso agora na interessa xD Obrigada!
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