segunda-feira, 19 de setembro de 2011

[ 20 ]



Faltavam exactamente 12 dias para acabarem as férias. Tom estava sentado nas escadas a contá-los, parecia um totó a fazer contas de cabeça, mas o facto de faltarem tão poucos dias naquela ilha deixava-o de certo modo preocupado. E Silvie? O que é que ela faria sem eles? Sabia que ela precisava da sua ajuda para conseguir regressar dos mortos, figurativamente falando claro, mas ele também se tinha habituado a tê-la por perto, não apenas como uma fonte de (muito) bom sexo mas, como um porto de abrigo. Cada vez que discutia com Bill era para lá que ia, cada vez que acontecia alguma coisa que não estava escrito no seu guião era até ela que se dirigia, era nela que abastecia a sua barra de energia e era com ela que a gastava quando Bill não estava ao telemóvel com o tal amigo. Só há dois dias é que Tom descobrira o porquê de tanto telemóvel colado ao ouvido e tantas vezes por dia… e essa ideia ainda não lhe agradava. Sinceramente, fazia-lhe demasiada confusão.

- Posso perguntar o que é que estás a fazer aí sentado há séculos a contar pelos dedos? – Silvie apareceu à porta envergando um top e uns calções. – Perdeste alguma coisa? – sentou-se ao seu lado.

- Estou quase a ir embora… - olhou-a. Silvie abriu um sorriso de solidariedade com ele.

- Quanto tempo tens? – perguntou.

- 12 dias.

- Tempo de sobra, meu caro.

Tom olhou-a mais atentamente, ela tinha alguma na manga. – E o teu trabalho? Quem tira as fotos? Quem te atura? Com quem falas?

- Não estava morta antes de tu aqui chegares, pois não?

- Não. – respondeu não percebendo.

- Então também não vou morrer quando tu te fores embora.

- Vais, no sentido figurativo da palavra.

- E porquê? És o meu motor de combustão ou assim? – riu-se.

- Mais ou menos. – sorriu ao vê-la rir. – Quem é que te vai ajudar no trabalho? Silvie tu estás longe de acabar todas as colecções! – disse.

- Não, não estou. As noites servem para alguma coisa…

- Tu trabalhas durante a noite? – perguntou, começara a dormir várias vezes com ela e nunca tinha dado conta de nada.

- Digamos que não estás sempre comigo e quando estás tens o sono pesado! – riu-se.

- Mas isso quer dizer que tens tudo… feito?

- Não tenho tudo, mas o essencial está terminado.

- A sério? – perguntou, não acreditava.

- Sim, a sério!

- Então… - foi interrompido por Bill que berrava pelos dois a uns 100metros deles.

- TOM, SILVIE!!! – Bill vinha numa correria desmedida.

- Bem… - Silvie riu-se - … deve ser importante para ele vir a correr! – Tom riu-se.

- Que é que foi oh lingrinhas? – Tom perguntou.

- Tenho um anúncio.

- Hum, porque é que ultimamente essas coisas me dão volta ao estômago? – Tom perguntou retoricamente.

- Tom! – Silvie acotovelou-o e Bill fez de conta que não ouvira. Tom parecera mais compreensivo do que aquilo que na verdade era. – E que anúncio é esse? – ela sorriu-lhe.

- O Joe… - fez uma pausa dramática para observar qual era a reacção de Tom. - … vem passar os últimos dias de férias connosco! – Bill pulou e bateu palmas, aquilo que normalmente fazia quando a felicidade extrema se apoderava de si. Não podia esperar que Joe viesse ter consigo.

- Posso mudar-me para tua casa? É que dispenso certas coisas. – Tom ignorou Bill completamente e virou a cabeça para Silvie. Ela olhou-o percebendo que não estava a ser de todo fácil para Tom aceitar o novo estilo de vida do irmão, mas também não podia ser assim tão má para Bill e aceitar Tom de braços abertos em sua casa sabendo os custos psicológicos que Bill estava a pagar à conta da homofobia de Tom. Que é que respondia?

- Aahh… - Bill viu-a na dúvida.

- De certo que ela não se importa. – respondeu por ela.

- Mas Bill… não era melhor ele dar-se com o Joe? – perguntou.

- Porque é que eu havia de me dar com o Joe? – Tom perguntou.

- Para todos os efeitos é o amor do Bill. É como se fosse uma gaja! E se fosse uma gaja e fosse namorada do teu irmão tu certamente irias querer conhecê-la e saber mais sobre ela! – Silvie respondeu, dando o pondo da questão.

- Ok, mas não existem “ses” nesta história porque ele não é uma ela. – cruzou os braços.

- Ficas comigo mas acredita que não te escapas de o conhecer minimamente! Até porque eu também quero saber quem é o sortudo que roubou o coração do Billocas! – riu-se saltando das escadas e abraçando-se ao pescoço do rapaz. – Espero que sejas feliz. – sussurrou-lhe ao ouvido.

Bill retribuiu o abraço com a mesma força que ela lhe transmitia e encaixou o rosto no seu pescoço. Já que Tom não lhe dava o apoio que precisava sabia que podia contar com aquela miúda para tudo. – Obrigada, minha querida. – sorriu ao afastar-se dela e depositar-lhe um beijo rechonchudo sobre a bochecha.

- Então e quando é que ele vem?

- Amanhã, em princípio. Foi tudo arranjado em cima da hora…

- Por causa dele? – Silvie apontou o dedo a Tom.

- Porque é que é tudo por causa de mim?! Importam-se de me explicar porque é que sou sempre eu a causa de tudo? E porque é que sou sempre eu o último a saber das coisas? E porque carga de água é que eu tenho culpa de as coisas entre vocês terem sido arranjadas em cima do joelho?! São capazes de se explicar? – Tom explodiu, estava farto de que o irmão o colocasse abaixo da linha de confiança dita normal.

- Tom…! – Silvie abateu-se sobre si mesma ao vê-lo explodir daquela maneira por razões que não mereciam, mas notava pela tensão que Tom vivia nos últimos dias que muita coisa se acumulara.

- Nada! – respondeu não lhe querendo dar ouvidos e saltou das escadas correndo pela praia fora.

Não percebia porque é que ninguém confiava nele para lhe contar o que se passava, não percebia porque raio é que ninguém parecia querer metê-lo nas conversas e nos acontecimentos. Desde o início daquelas férias que qualquer coisa lhe fazia comichão e só a descobrira quase no final, não era normal. Bill parecia que o tinha posto de lado nas suas decisões e que tomara a liberdade de se desfazer dele como uma opinião e um ouvinte. Naquele momento já não queria saber qual era a orientação sexual do irmão, queria apenas que ele tivesse tido a confiança necessária, e que sempre lhes foi característica, para lhe contar o que é que o andava a atormentar. Tom só queria que Bill lhe dissesse na cara o que era, como fazia todas as vezes. Queria que ele o tivesse vindo acordar a meio da noite para o obrigar a ouvi-lo e ajudá-lo a ultrapassar a dor ou o problema que fosse. Queria que o tivessem em consideração e não o achassem um bebé.

- Até ela… - Tom deitou-se sobre a areia molhada despindo a t-shirt e ficando meramente em calções de banho. Até Silvie parecia tê-lo em baixa consideração e isso era ainda pior que sendo o irmão a fazê-lo. Praticamente não a conhecia mas a ligação que sentia com ela era qualquer coisa de especial, de diferente e de bom. Tinha a sensação de que se Bill lhe dissesse para se atirar de uma ponte ele nunca o faria e ainda o mandava dar uma volta mas que se fosse Silvie a dizê-lo, era mais que certo. Respirou fundo e mirou as nuvens. Era lá que se sentia muitas das vezes que partilhava momentos com ela, nas nuvens. – Merda. – virou-se de barriga para baixo e encostou a testa nos braços cruzados. Não podia estar a deixar-se levar por alguém que provavelmente não voltaria a ver tão cedo.

~

- Achas que ele fica bem? – Silvie perguntou a Bill sentado ao seu lado nas suas escadas.

- Acho. Mais cedo ou mais tarde volta.

- Tens a certeza?

- Se não achas, vai atrás dele. – Bill sorriu-lhe. Silvie riu-se, ele percebia bem o que é que ela via a mais em Tom. – Eu acho que ele não se importa que tu vás ao encontro dele. Da mesma maneira que tu não te importavas que ele fosse ao teu encontro.

- Assim só por acaso, Bill… - olhou-o com cara de gozo - … estás a tentar juntar-me ao teu irmão? – riu-se.

- Achas que preciso? Vocês já se juntaram! – sorriu-lhe dando-lhe um beijo na testa sentido o telemóvel tocar no bolso dos folclóricos calções. – Já venho! – ela sorriu ao vê-lo saltar das escadas com um sorriso do tamanho do mundo.

Silvie tinha noção de que começara a olhar para Tom de uma maneira diferente à dois dias atrás, depois da noite e da manhã que tiveram, só sentira aquilo uma única vez na vida e essa pessoa estava morta. Entrou em casa e fechou-se no quarto. Odiava relembrar o seu passado, especialmente aquele pedaço de passado. Jack sempre fora o seu ponto mais fraco. Mesmo passado tanto tempo aquela ferida continuava por sarar.
Abriu a primeira gaveta da cómoda e retirou o x-ato de uma das caixas. Não suportava a dor de relembrar coisas que já deveriam ter sido esquecidas há muito.

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